quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Confraria relembra episódio vergonhoso: a Rusga



JULIANA CAPILÉ
ESPECIAL PARA A FOLHA DO ESTADO
http://www.folhadoestado.com.br/jornal/paginas/grd/30_951.pdf


O novo espetáculo da Confraria dos Atores trata de um tema bastante vergonhoso para Cuiabá, mas que fundamentalmente não pode ser esquecido: a Rusga. Em 1834, Cuiabá viveu um episódio sangrento, movido por questões políticas e xenófobas, quando centenas de pessoas foram feridas e assassinadas porque não haviam nascido aqui. Os chamados “bicudos”, de outrora, bem podem ser os “pau rodados” de hoje, expressão que carrega um bairrismo perigoso e que separa os pertencimentos de cada morador da cidade. A rusga serviu para enriquecer os ‘brasileiros’ e tirar dos ‘bicudos’ o poder financeiro, através de saques e apropriações, mais ou menos como os nazistas fizeram com os judeus na segunda guerra; mata e pega o que é deles. 

Para tratar de tema tão violento e espinhoso, a Confraria optou por uma narrativa fragmentada, procurando evidenciar os personagens comuns da história, que viveram o fato, morreram, sofreram ou foram beneficiados por ele. O espetáculo se passa num espaço alternativo, negando o distanciamento proposto pelo palco italiano, que o maior pecado é separar a plateia da cena. Neste espaço o espectador está junto com a cena e pode inclusive participar dela, como acontece na Rusga. Na vez que eu fui acompanhar os estudos de linguagem do grupo, fiquei com a incumbência de segurar uma medalhinha de Nossa Senhora. Só o fato daquela medalhinha estar na minha mão já me transportou para o século XIX e me fez tomar partido naquela história. Ficamos envolvidos, e quando percebemos, nossa presença é requisitada na cena: precisamos decidir se vamos libertar uma mulher acorrentada, se vamos pendurar roupas de mortos nas forcas, se vamos sentar neste ou naquele lado da rusga... Tudo isso porque permitir ou não que coisas assim aconteçam, depende de todos. É o que a Confraria deixa escapar no espetáculo. Aliás, este pensamento permeia todo o trabalho de pesquisa do grupo. A Confraria dos Atores é formada por Benone Lopes, Emanuel Vitor, Jan Moura, Karina Figueredo e Talita Figueiredo, e desenvolvem um trabalho de criação coletiva, além de pesquisar o teatro colaborativo para avançar na busca. Na criação coletiva todos os integrantes contribuem
com a cena, criando e produzindo juntos. É um método de trabalho bastante democrático e só funciona com grupos coesos, como é o caso do Confraria, que existe desde 2004.

O grupo se afirma na preocupação do teatro contemporâneo, de pensar seu lugar e buscar compreender questões próximas da nossa realidade. Contemporâneo também é discutir o fazer teatral, buscando questionar o espaço da representação, a posição dos espectadores na cena, o local da técnica cênica. Pensando em tudo isso, a Confraria dos Atores realiza um teatro contemporâneo e avança a discussão
teatral em nossa cidade. Para quem ainda não viu, recomendo ficar atento ao calendário de apresentações. Para conhecer o mais o grupo basta acessar o www.confrariadosatores.blogspot.com/

Juliana Capilé – Cia Pessoal de Teatro

Um comentário:

Tiego Sardinha disse...

Já estava com vontade de assistir, com esse comentário... ...nossa... não posso perder... Tiego Sardinha