segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Aonde se chega pelo viés da Cultura?

* Assinam o presente texto: Ricardo Guilherme Dicke, Wander Antunes, Mário Cezar Silva Leite, Juliano Moreno, Paulo Sésar Pimentel, Lorenzo Falcão e Gabriel de Mattos.


Por conta da eminente troca de comando na pasta da cultura o momento é ideal para uma avaliação das ações governamentais voltadas para a literatura. E o foco principal deve ser a Literamérica, a iniciativa que mais visibilidade alcançou em relação à arte das letras. Lembremos, portanto, os títulos de algumas matérias de 2005, veiculadas nos meios de comunicação mato-grossenses naquela época: Literamérica vem alimentar fome de leitura. Literamérica vem para marcar e ficar. Literamérica vai movimentar o mercado editorial em Mato Grosso.

Ao reler tais reportagens tomamos contato com os propósitos da feira, sendo que um dos principais era “incentivar a produção e o consumo literário regional. Este foi registrado como um dos grandes objetivos da Literamérica 2005 – Feira Sul-Americana do Livro de Mato Grosso”.

A se julgar pelo entusiasmo da gestão pública cultural, as melhores expectativas parecem ter se cumprido, porque, já na solenidade de lançamento da segunda edição do evento, no ano seguinte, o secretário estadual de cultura, João Carlos Vicente Ferreira, comemorava: "Com o sucesso e o abraço de tantos países e órgãos à Literamérica é que comprovamos até onde se pode chegar pelo viés da Cultura".

Até onde se pode chegar pelo viés da Cultura? Longe, sem dúvida. E pelo bom caminho, esse que nos transforma e nos possibilita fazer melhores escolhas pessoais e coletivas. Mas se chegar implica, obviamente, em caminhar, a pergunta é: quanto caminhamos com a Literamérica? Há um antes e depois para a cadeia do livro após suas duas primeiras edições?

A avaliação é que, infelizmente, a Literamérica não interferiu significativamente em qualquer medida nos rumos da cadeia do livro em Mato Grosso. A expectativa era de que houvesse realmente uma mudança. A Feira do Livro Sul-americano de Mato Grosso, Literamérica, deveria apresentar resultados. Aquecer de fato o mercado editorial. Isso quer dizer que a proposta inicial era a de uma série de empenhos, eventos, programas, iniciativas, movimentação e discussões em torno da cadeia produtiva do livro em Mato Grosso ao longo do ano, culminando com a Feira. A Literamérica seria (deveria ser) a coroação e o resultado dos empenhos, propostas, políticas, verbas, etc. Deveria ser resultado! Um grupo de produtores (entenda-se aqui todos os envolvidos no processo de produção do livro) fortalecidos, com propostas pensadas e amadurecidas, com clareza de seus encaminhamentos futuros, recebendo a América do Sul para, também com clareza e amadurecimento, ao promover o tão desejado intercâmbio. Era para ser, inclusive, uma feira, cujo foco central, idealizado, era o fortalecimento e o desenvolvimento (em todos os níveis) da produção livreira em Mato Grosso.

Mas isso não aconteceu de fato e a Feira parece ter se subordinado a outros interesses. Nada foi feito no plano coletivo (como propostas e encaminhamentos). Todos os contatos e intercâmbios aconteceram no plano pessoal e individual. E é muito simples identificar o porquê: abandonou-se a proposta inicial e partiu-se para a Feira como começo, meio e fim em si mesma. Essa política e organização resultou que nem no mercado interno, de maneira articulada e pelo menos razoável, conseguiu-se colocar e garantir a presença da produção mato-grossense.

O que dizer então do mercado brasileiro e Latino-americano? A Feira funcionou muito mais como um palanque governamental, ‘vendendo’ Mato Grosso e apenas atendendo propósitos políticos imediatistas. Definitivamente, para a cadeia do livro não há um antes e um depois da Literamérica. Em algum outro aspecto talvez. Neste não.

Parece-nos, e queremos crer que sim, que a bienalidade da Literamérica pode mudar esse quadro e retomar, de algum modo, a proposta inicial (ou suas possíveis variações). Daí talvez possamos vislumbrar o desejado, e sempre adiado, antes e depois. De todo modo, caso a primeira edição dessa nova Literamérica venha a acontecer de maneira que esteja estrategicamente linkada aos empenhos, eventos, programas, iniciativas, movimentação e discussões que a justifiquem, e a façam acontecer de forma pensada e impactante para a literatura regional. Dessa forma, realmente, passaremos não só a entender, mas a descobrir e experimentar até onde se pode chegar pelo viés da Cultura.

Para além do palanque - A edição e circulação de obras literárias, essenciais para a formação de novos leitores, estão entre as ações transformadoras que nos trazem o viés da Cultura. Ao receber a imprensa para apontar as realizações de 2007 em sua pasta, o secretário de cultura passou ao largo desse tema.

Destacou ações de tombamento e recuperação de patrimônios históricos. Para 2008 anunciou a entrega de novas ‘recuperações’. Uma pena para autores, editores, livreiros e leitores que a SEC não tenha colocado nenhum tijolinho no ‘prédio da literatura’, porque a verdade pura e simples é que o único empreendimento capaz de formar leitores é a edição e a circulação de boas obras literárias. Esse é o marco zero. Ainda não inventaram nada melhor para aproximar leitores e autores. Outras ações, logicamente, também contribuem bastante.

Uma boa demonstração de apreço pela literatura mato-grossense seria a SEC abraçar, formal e oficialmente, a luta pelo cumprimento da lei que exige a presença de obras regionais em nossas escolas. Luta, aliás, que ela nunca abraçou. Mas, para nossa sorte tudo muda. Sempre muda. E com toda razão. Esperamos não sejam mudanças lampedusianas, de mentirinha, que não trazem nada de novo.

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