terça-feira, 11 de dezembro de 2007



Qual o lugar do texto falado quando os textos corporais nos bastam?

A questão do espectral: vejo que o teatro físico alimenta-se dos estados corpóreos, configurando mais espectros do que personagens dramáticos ou épicos. A figura, tão cara para uma arte narrativa e de conexões lógicas de significação, é des-figurada. Não pelo mergulho psicológico (teatro dramático moderno norte-americano, por exemplo, onde, em Longa Jornada Noite Adentro as personagens se desmancham, mas a representação está firmemente alicerçada em cena), ou mesmo épico-narrativo, com os seus enunciados discursivos diretamente para o público, mas sim porque o estados corporais e os desenhos intensivos tomam a composição cênica. Deleuze fala de uma lógica da sensação, quando aborda a pintura de Francis Bacon. Por ressonância, penso que os espectros do teatro físico, como o Zikzira desenha, aparecem primeiramente como figuras, mas são tomadas por forças desfigurantes. Deleuze diz que “em arte, tanto em pintura quanto em música, não se trata de reproduzir ou inventar formas, mas de captar forças”. Ele cita a fórmula de Klee: “não apresentar o visível, mas tornar visível”. E o que o teatro físico e pós-dramático realiza não é a figuração das personas, mas sim as forças invisíveis que atravessam os corpos. (...)

O elenco, com performers de várias nacionalidades (brasileira, argentina e coreana), mergulha nesse mundo espectral e nos remete às forças invisíveis. Estão comprometidos com a linha das sensações que perseguem durante todo o espetáculo. E isso é muito bonito de se ver.

Fernanda Lippi mostra, assim, que continua com sua busca por uma linha pulsional, de uma coreografia energética. Não se trata mais de dança, moderna ou contemporânea, apesar do universo que baila diante de nossos olhos. Essa é uma dança que se dá antes de modo mais intensivo e menos extensivo.

Quanto ao texto falado, em alguns pontos do espetáculo, como no discurso de Hipólito, não me parece que se adentra na mesma viagem espectral e desfigurante das forças que tomam os corpos. Há outros planos vocais, como o cantor lírico sobre uma ponte acima dos atores. E, também, as expressões vocais menos carregadas de significação, que me tranportam para o plano das sensações. No entanto, há um componente de representação na vocalização do papel de Hipólito, por exemplo, que me remete a um teatro no qual a figuração da fala é explícita, apesar do delírio que o plano ficcional nos arrasta. São perguntas que ficam, para ver como o teatro físico do Zikzira define sua viagem pelos caminhos do texto falado, já que fez do plano cênico-corpóreo uma experiência de grande consistência. São perguntas, também, que faço sempre a mim mesmo, como pesquisador e criador: qual o lugar do texto falado quando os textos corporais nos bastam.

Luiz Carlos Garrocho

(leia o texto na integra em:
http://luizcarlosgarrocho.blogspot.com/2007/12/zikzira-teatro-fsico-eu-vos-liberto.html )

Conheça um pouco do trabalho da Zikzira, veja os vídeos e se deleitem com o trabalho maravilhoso da companhia.
ZIKZIRA



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